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Viagens por dentro dos dias

Blog em torno de literatura, arte, viagens, etc.

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10.01.24

O rapaz ia pela rua a mastigar pastilha elástica. Entrou na farmácia para levantar um medicamento para a avó. De repente, a pastilha colou-se-lhe ao céu-da-boca e à língua. Não conseguia abrir a boca, não conseguia falar. Fez um gesto para o velho farmacêutico, apontando a língua presa. O homem procurou os óculos de ver ao perto, mas não os encontrou. Aproximou-se do rapaz, meteu-lhe os dedos na boca e arrancou-lhe a língua.

António Garcia Barreto, "Contos Curtos"

Trabalhar e descansar

Estórias que se contam

22.11.23

Certo dia um homem viu o historiador Alexandre Herculano, de enxada na mão, a trabalhar umas terras na sua Quinta de Vale de Lobos. Cumprimentou-o.

- Bons-dias, senhor Alexandre Herculano. Então, a trabalhar logo de manhã.

- Não estou a trabalhar, estou a descansar - respondeu Herculano.

Dias depois o mesmo homem voltou a passar pelo mesmo local encontrando Herculano sentado numa cesta de apanha de azeitona, encostado a uma porta.

- Bons-dias senhor Alexandre Herculano. Hoje está a descansar.

- Não estou a descansar, estou a trabalhar.

Um livro

Jorge Luis Borges

03.03.23

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"Um livro é uma coisa entre as coisas, um volume perdido entre volumes que povoam o indiferente Universo, até que encontra o seu leitor, o homem destinado aos seus símbolos. Acontece então a emoção singular chamada beleza, esse mistério belo que nem a psicologia nem a retórica decifram."

Jorge Luis Borges in BIBLIOTECA PESSOAL, Prólogo, Quetzal, Lisboa, 2022 (tradução de Cristina Rodriguez e Artur Guerra).

01.12.22

- Éramos todos bons rapazes, mas uns piores do que os outros - confessou o Padre Angústias, num dia em que se deu a rememorar o seu passado no seminário. - O pior de todos chegou a bispo. E se não fosse um jantar demasiado pesado, a seguir ao qual se tomou de amores por uma prima virgem, do lado do zodíaco, teria conseguido o barrete cardinalício.

(agb)

20.10.21

– Como é que se chama, perguntei ao técnico brasileiro que fazia uma reparação electrónica.

– L e L, ouvi pronunciar.

– L e L?

– Sim.

– Escreva aqui o nome, por favor.

E ele escreveu: Eliel.

16.10.21

Ele andava tão confuso da semântica e ortografia das palavras, que quando ela ditou cirurgia ele escreveu siderurgia. No fundo, talvez fosse tudo para queimar, pensou o jovem, sem qualquer certeza.

25.09.21

Coziam os coiros das arcas por não se poderem manter; e sobre a fome, a água que bebiam era meio salobra e tão barrenta dos enxurros das crescentes que traziam os rios naquela invernada, que não assentava o pé em dous dias, e isto porque não havia aguada que os mouros não tivessem tomada; e se às vezes os nossos à força de armas a queriam ir fazer, uma gota de água custava três de sangue.

Transcrição de aspetos das viagens dos descobrimentos in "O Murmúrio do Mundo" (A Índia Revisitada), de Almeida Faria, Tinta da China, Lisboa, 2012

12.04.21

Um dia entrei numa biblioteca onde só havia dois livros. Um era de física quântica e o outro de filosofia espacial. Não eram livros que me interessassem. Voltei à biblioteca várias vezes na esperança de encontrar outros livros. O único empregado de serviço disse-me que não havia outros livros disponíveis. Aqueles dois tinham saído incólumes de um incêndio que dizimara toda a biblioteca. Apenas aquela sala fora reconstruída. Esperavam-se apoios estatais.
Fiz saber através da imprensa e das redes sociais o meu desagrado pela situação, que logo recebeu milhares de apoiantes. Perante o desconforto dessa situação inusitada, e o prejuízo para a Cultura do país, lembrei-me de enumerar uma série de obras que deviam constar no acervo da biblioteca. Iniciei uma campanha pedindo às pessoas para lá entregarem um dos livros por mim listados, ou outros que entendessem necessários e interessantes. Escrevi um email que enviei a amigos e amigos de amigos dando-lhes conta da existência dessa biblioteca singular e aquilo que cada um deles podia fazer por ela.
Ao fim de um ano, a biblioteca tinha mais de vinte mil livros, contando já com leitores habituais, que iam enriquecendo o acervo e recomendando-a a novos amigos.
Dois anos depois, ampliada a sala e feitas obras complementares, o presidente do país inaugurou a biblioteca com pompa e circunstância, seguido pelos políticos do costume, a quem agradeceu a valiosa obra em boa hora levada a cabo pelo Governo. Levantando o pano que cobria a placa comemorativa surgiu o novo nome da casa dos livros: Biblioteca Presidente Dom De Lucas. A mim foi-me vedada a entrada ainda hoje não sei porquê. Talvez tudo não tenha passado de uma ficção literária.

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