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Viagens por dentro dos dias

Blog em torno de literatura, arte, viagens, etc.

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02.11.24

Moçambique. A guerra instalou-se aqui há muito tempo. Caminho sem destino pelo centro de Lourenço Marques. Admiro a altura dos edifícios a que não estava habituado na metrópole. O que posso fazer para ocupar o tempo livre nesta terra onde me sinto estrangeiro? Em que até o nome de alguns bebidas me é estranho: Seven up, Gingerale, Coca Cola. Talvez me sente na esplanada de um café e peça um uísque com gelo. Está muito calor apesar de ser noite. Procuro uma esplanada, sento-me, olho à minha volta. Andam dois empregados de mesa, negros, vestidos de branco, com uma bandeja na mão à espera que algum cliente os chame. Levanto o braço e faço o meu pedido. Não conheço ninguém, ninguém me conhece. Há um vazio dentro de mim. Não sou daqui, vim do outro lado do mundo onde deixei amigos e família. Fico sentado seguindo o movimento das pessoas. Talvez descubra um amigo, um camarada de armas, que tivesse viajado comigo no barco. Há militares, mas não os conheço. Tomo atenção às conversas das pessoas que ocupam as mesas ao lado. Falam de basquetebol, ao que me apercebo. Prefiro futebol. Decido ir para casa esconder o sono na almofada da cama. Apanho o machimbombo que sobe as ruas deixando para trás um rasto de fumo negro e uma trepidação de carro velho. Desço à boca do bairro indígena, mas não me aventuro por aí, vou para a flat pela rua paralela ao bairro, sempre pelo meio da estrada, porque a noite pode esconder uma má surpresa. Entro em casa onde me espera uma osga no canto da parede e um morcego pendurado na corrente da banheira. Um periquito voa no escuro do quarto e assusto-me. Ainda não me habituei aos seus voos noturnos. Foi o último inquilino que o deixou. Um sargento que andava a matar comissões na vez de jogadores de futebol. Há gente capaz de todos os negócios. Deito-me. Leio um pouco. Podia ser pior.

© António Garcia Bareto in EU VIVI, EU CONTO, a sair lá mais para diante


28.04.24

Cada viajante constrói, das cidades que ama, uma ideia que raramente coincide com a lógica da geografia urbana. Na sua forma de amar uma cidade, desenha percursos, associações imaginárias, mitos instrumentais que o fazem ver as fachadas, os monumentos, as praças e as gentes de uma determinada zona como os melhores sinais identificadores do espírito do lugar. A sua noção de geografia é essencialmente afetiva, as suas preferências não são racionais e, por isso, essa zona eleita figura no seu espírito, e para sempre, como  o centro da cidade.

António Mega Ferreira in Roma, exercícios de reconhecimento, 2.ª ed., Sextante Editora, 2019


25.04.24

O Mediterrâneo é a pátria da beleza. Mar, oliveiras, ruínas, portos, faróis antigos, ilhas, mitos, navios - e uma raríssima sabedoria.

in contracapa do livro de MATVEJEVITCH, Predrag, Breviário Mediterrâneo, Quetzal Editores, 2019

Vai bugiar

Significado: não importunes, desaparece daqui


01.03.23

Esta frase tem um significado semelhante às seguintes: «Vai chatear o Camões» e «Vai pentear macacos», embora seja possível que tenham origens diferentes. Podem também ser adaptações de uma frase inicial, que será possivelmente esta que aqui se arrola. Sobre a sua origem há várias informações. No «Auto de Mofina Mendes» Gil Vicente usa a palavra bugios querendo referir-se a macacos. E em outro Auto escreve: Vai, vai, Joana, bugiar, que acolhe o significado de afastamento, de pedir a alguém que não mace e se afaste. Outros autores também se inclinam para bugio como sendo macaco, talvez pela sua irrequietude quando acossado por humanos. Há ainda quem refira, mais tarde, que a palavra bugio denominava um engenho usado para meter estacas nas terras alagadiças, aquando da construção do forte do Terreiro do Paço, na época de Filipe II. Frente a Oeiras há o denominado Farol do Bugio, sendo que a frase idiomática não parece ter ligação com o nome do farol. Bugio, aqui, é entendido como vela acesa (do francês bougie), devido à semelhança que dava observado ao longe, na época da sua construção.

António Garcia Barreto (do livro a publicar O POVO FAZ A LÍNGUA. Registado no IGAC e na SPA. Interdita a cópia)

VOOU COMO MATIAS PEREZ

Algo que desaparece, que se perdeu para sempre, sem remédio.


06.02.23

Matias Perez (Peres) foi um marinheiro português que em meados do séc. XIX se radicou em Havana, Cuba, com um negócio de fabricação de panos para velas de navios. O negócio progrediu muito bem, de tal forma que lhe chamavam «O rei dos toldos». Mas a sua paixão era voar, sobretudo depois de conhecer o balonista francês Eugene Godard. Experimentou fazer alguns voos em balão com Godard, a quem chegou a comprar um aparelho. Havia sempre uma multidão a assistir a essas subidas em balão de ar quente. O seu último voo, porém, correu mal. As condições atmosféricas não eram as melhores, mas Matias decidiu voar. Nunca mais foi visto. Nem ele nem quaisquer vestígios dessa viagem fatídica. Em Cuba ainda hoje se usa a expressão «voou como Matias Perez» quando alguém se quer referir a um desaparecimento, ou a algo que se perdeu para sempre, sem remédio.

(do livro a publicar O POVO FAZ A LÍNGUA. Registado no IGAC e na SPA. Interdita a cópia)


25.07.22

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SINOPSE

Na esteira dos grandes escritores viajantes de outros séculos, António Mega Ferreira põe desta vez nas mãos dos leitores o relato de uma «viagem intelectual e afetiva» que «representa a súmula de muitas viagens a Itália, ao longo de quatro décadas de apaixonada convivência com os lugares e as gentes, mas sobretudo com a cultura italiana.»

Itália - Práticas de viagem vem agora juntar-se a um outro livro-irmão mais velho, Roma - Exercícios de reconhecimento, também publicado pela Sextante em 2010. Estes dois livros compõem uma maravilhosa viagem a Itália, completamente original na literatura portuguesa, oferecida pelo olhar culto e pela escrita de grande beleza de António Mega Ferreira. (Da contracapa).

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