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Viagens por dentro dos dias

Blog em torno de literatura, arte, viagens, etc.

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14.12.22

Agora que a nossa seleção de futebol regressou a casa, dois comentários: Portugal deve muito ao selecionador Fernando Santos, o sinhor inginheiro, pois foi ele que nos levou várias vezes ao mais alto nível do futebol mundial, e a ele devemos também o facto de sermos Campeões da Europa de Futebol. Fernando Santos nunca foi selecionador de arriscar muito. Mas foi atingindo lugares cimeiros no ranking do futebol mundial. Parece-me, no entanto, que chegou a hora de arriscarmos mais. Talvez seja a hora de chamar o special one, José Mourinho. Ele arrisca, ganhou e ganha muitos títulos, e também perde, claro. Mas é preciso jogar para ganhar, assumindo o risco de perder. Jogar para o empate e depois logo se vê, não.

O outro comentário é para Cristiano Ronaldo, o CR7. É um dos maiores jogadores de futebol do mundo, talvez o maior (embora eu prefira Messi) tendo feito com que o nome de Portugal corresse mundo, na última década e meia, coisa que mais ninguém conseguiu fazer de forma tão entusiasmante. Seremos cruéis se esquecermos esse facto. Agora não está a reagir bem à sua andropausa futebolística, mas certamente ultrapassará esses momentos difíceis.

Parabéns a Fernando Santos e a Cristiano Ronaldo (e a todos os outros jogadores da seleção, claro). Chegou a hora de pensarmos no futuro com mais garra e menos achaques pessoais, que desestabilizam o grupo.

09.12.22

Numa viagem de férias em companhia de amigos, num velho VW carocha, muito antes da existência do Espaço Schengen, ao atravessarmos a fronteira entre a França e a Itália, idos do Mónaco e de Menton, a polícia mandou-nos parar. Simpáticos, os guardas ficaram muito admirados de verem portugueses por ali. Éramos uma espécie rara, naquela época, fora do espaço ibérico. Fizeram-nos algumas perguntas e evocaram o vinho do Porto, mostrando-nos que conheciam alguma coisa de Portugal (estranhei não evocarem o Benfica, que tinha sido bicampeão europeu). Como o carro ia na reserva ou quase, perguntámos se o posto de combustível ficava longe. A resposta foi:

– Ventimiglia.

Trocámos olhares, um pouco desolados.

– Vinte milhas são mais de trinta quilómetros – comentámos, em uníssono. – Vai ser apertado.

Metemo-nos à estrada, devagar, para poupar combustível. Ainda não tínhamos andado cinco quilómetros quando vimos um marco toponímico anunciando a próxima localidade: Ventimiglia. A nossa tradução à letra de italiano e o desconhecimento da região produziu asneira. Mas deu para andar todo o dia a rir à conta de ventimiglia.

(agb)

03.12.22

Uma das coisas que me confrange mais na sociedade atual é a existência de pessoas a viver em isolamento completo. Uma pessoa a residir só numa aldeia, num lugarejo qualquer, sem outro ser humano com quem trocar uma palavra, nem que seja a saudação diária, é muito confrangedor. Sobretudo, porque são pessoas entradas nos anos, que não escolheram aquele modo de vida. Aconteceu-lhes por via de uma sociedade que fugiu para os grandes centros habitacionais à procura de emprego, de uma vida melhor. Podem dizer-me que há pessoas que vivem em lares, mas que se sentem a viver em solidão mesmo que rodeadas por outras pessoas. Não é a mesma coisa. Não me perguntem como isto se resolve. Mas sei que há pessoas cuja profissão entronca na resolução de problemas idênticos; e sei que o Estado, por intermédio das suas estruturas sociais devia intervir nestas situações. Parece-me que a GNR faz qualquer coisa nesse sentido, o que é de louvar. Mas não chega. E não se trata, a meu ver, de retirar as pessoas, do lugar onde se encontram, onde nasceram e querem morrer, mas de acompanhá-los diariamente por esse interior desertificado. Talvez fosse possível uma ação conjunta, diária, entre as autarquias e a segurança social, nas zonas onde esses problemas são mais agudos. Claro, é preciso dinheiro e boa vontade.

01.12.22

Restaurámos o país dos Espanhóis, em 1640. Mas ainda não conseguimos restaurar o país de nós próprios. A inveja, como o grande emblema social; a Escola e a Saúde que nunca mais entram nos eixos; os políticos que não conseguem uma plataforma mínima para tornar este país governável atendendo aos interesses dos cidadãos, sem que se ande sempre a remendar decisões; a Justiça que tem um tempo tão lento, tão lento, que nem parece a Justiça do nosso tempo; o novo aeroporto que anda há décadas a ser discutido entre gregos e troianos; a Cultura que é o brinquedo de meia dúzia de obstinados; os egos sempre muito inchados em razão de nada ou de muito pouco; as capelinhas, os influencers (que raio de palavra num país com séculos de uma língua própria)... Enfim, ou restauramos o país de nós próprios, ou haverá sempre razão para nos queixarmos perante a indiferença dos poderes públicos. Ah, e restaurem Sua Excelência, porque me sinto envergonhado com o que está em funções.

21.11.22

Facebook, Futebol e Fátima é o novo triunvirato mobilizador dos portugueses. O Fado perdeu o apetite, emagreceu, agora aparece mais travestido de fado-canção ou canção com viola e guitarra a acompanhar. A juventude já não é fadista, embora continue a haver jovens que gostam de fado, sobretudo os filhos da pequena-nobreza-aburguesada. Na verdade, em mais de cinquenta anos de democracia, mantivemos os três FFF que nos definiam como povo, substituindo apenas a palavra de um deles: fado por facebook. Estou convicto de que o Facebook tem alguma coisa de fado, pois é aí que muita gente vai exprimir as suas mágoas, mostrar a sua dignidade ferida, as suas esperanças e os seus sonhos, e falar dos seus amores... desgraçados. O Facebook tem ainda a vantagem de funcionar como comunidade de vizinhos (já que na rua e na escada do prédio poucos trocam saudações), onde se encontram aqueles que sob o rótulo de amigos charlam a toda a hora e se deixam encantar com a exposição permanente de fotografias, imagens e memes. Eu também estou inscrito nessa comunidade de vizinhos, povoada por grande número de recoletores do trabalho alheio, através da palavra mágica Partilha.

29.09.22

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O escritor António Mega Ferreira ganhou o Grande Prémio de Literatura de Viagens Maria Ondina Braga, patrocinado pela APE, com o seu livro Crónicas Italianas, publicado em 2021 com a chancela da Sextante Editora, onde publicou também as obras a seguir referidas. Viajante cultural, profundo conhecedor da vida e da história da cultura italiana, este livro junta-se a outras obras (Roma, exercícios de reconhecimento, 2010; e Itália, Práticas de Viagem, 2017) em que o autor explora a relação da arte e da arquitetura italiana, ao longo dos séculos, com os seus artistas e com as cidades italianas, seja Roma Florença, Bolonha, etc. Uma leitura a não perder.

16.12.21

A presença obsidiante do pessoal ligado à Medicina (ao negócio da) nas nossas vidas (médicos, enfermeiros, epidemiologistas, hospitais privados, SNS, funcionários, especialistas de tutti quanti na área da Saúde, através da CS), além das notícias sobre o Covid-19, doenças, forma de as combater, seus perigos, conselhos e conselheiros, a que se juntam nas TV os vendedores de pílulas, e seguradoras a brandir a vantagem de seguros de saúde, está a transformar este tempo de pandemia numa paranóia coletiva. Como qualquer empresa comercial, os hospitais privados enchem ainda de publicidade os nossos telemóveis, se temos as respetivas aplicações instaladas, oferecendo-nos tudo o que lhes interessa e faz parte do seu negócio. Dando a volta completa, esta paranóia também pode ser útil ao negócio em causa. Haverá alguém que nos liberte deste assédio obsidiante diário, repondo a Saúde num patamar de relação normal, saudável?

11.12.21

Sabe-se hoje que a possibilidade de fazer comentários estultos e escrever futilidades é uma realidade filha das redes sociais e de um jornalismo sem referências. Não só, mas sobretudo. Os DDT em todo o mundo sabem bem que para continuarem a obter lucros insultuosos numa sociedade democrática, em que as pessoas têm acesso geral ao Ensino e à Cultura, precisam de transformar esse Ensino e essa Cultura em algo básico e alegórico. A classe média atual, cuja vida assenta numa socidade dominada por minorias aguerridas e pela civilização do espetáculo e do politicamente correto, sente-se com direito a tudo, mas o tudo a que acede tem pouca qualidade. É apenas fogo-fátuo. Entre os muitos exemplos desse tipo de sociedade que vive em liberdade uma vida de insignificâncias com apelos de primeira página, estão coisas como esta: "Estudo conclui que quem usa mais emojis faz mais sexo". Qual a utilidade e o interesse do estudo? Leva-nos a quê? Isto é apenas um exemplo de como os DDT, através dos seus peões, nivelam por baixo a sociedade em que vivemos.

05.12.21

Existe hoje em dia uma grande promoção das aldeias tradicionais. Aldeias com casas de xisto, onde dificilmente entra um carro nas suas ruas históricas. Há gente a recuperar essas casas, sobretudo a pensar no turista estrangeiro que percorre todo o país à procura daquilo que é genuíno, tradicional, ou que a publicidade assim lhes vende. Na verdade, observado pelo olhar dos drones, mais que pelo calcorrear das suas ruas e veredas acanhadas, o conjunto de arquitetura simples, empoleirado na aba das serras, cativa, deixa nas pessoas uma imagem de calma, de fruição da natureza, de paz. Não obstante, essas aldeias estão desertas, ou quase, os acessos são difíceis e a caminhada pelas suas ruas íngremes não é fácil, em particular para alguém que decida lá morar em permanência. Claro que há quem veja uma oportunidade de transformar as casas recuperadas em alojamento local. Mas será difícil habitar nessas aldeias. Os tempos são outros. Os jovens têm a sua vida profissional nas cidades e vilas do país, onde existem estruturas de apoio social indispensáveis à vida atual. Não vejo que a beleza do conjunto e a localização privilegiada e agradável seja suficiente para estas aldeias serem mais do que um postal ilustrado, um motivo para visitas turísticas sazonais, uma chamada de atenção num jornal regional, ou mesmo num órgão de divulgação nacional, uma reportagem na TV. As aldeias de xisto são um museu ao ar livre, pouco mais do que isso. 

18.11.21

Houve um tempo em que as capas dos livros publicados em Portugal tinham, em regra, a assinatura de um artista gráfico. Não significa isto que todas as capas fossem bem conseguidas, ou do agrado geral. Mas eram capas produzidas tendo em conta o teor do livro. Havia capas mais discretas, em particular nos livros de poesia, e outras mais enfáticas na cor e no design, mas não perdendo de vista o tema da obra que iria encapar. Hoje em dia, com uma indústria do livro baseada em conglomerados empresariais, a produção entrou numa espécie de enchimento de chouriços. Excessivas publicações destinadas em grande parte a um público leitor pouco informado e com fraca literacia. Desceu o nível das obras publicadas, incluindo o grafismo de capas. Ainda há pouco peguei numa edição de "O Livro", de Cesário Verde, publicado por uma editora transnacional, em que a capa nada deixava adivinhar sobre o conteúdo da obra. Essa capa apresentava um recorte que identifiquei como sendo, estou em crer, de uma pintura de Vincent Van Gogh, intitulada "Ciprestes". O que tem a ver essa capa com "O Livro" de Cesário Verde? Outra editora publicou o nosso clássico romance "Os Maias", de Eça de Queiroz, com uma capa em que o título parece um puzzle de palavras: OS/MAI/AS. Vale tudo porque o mercado não é exigente? Contou-me um editor a história de uma edição mais antiga, também de "Os Maias", impressa em Barcelona, que chegou ao editor com a imagem de um pirâmide da civilização Maia na capa. Como foi possível? Neste caso a edição foi destruída. E é isto.

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