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Viagens por dentro dos dias

Blog em torno de literatura, arte, viagens, etc.

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Crónica de Ventimiglia

Antigamente, no verão

02.08.23

Numa viagem de férias em companhia de amigos, num velho VW carocha, muito antes da existência do Espaço Schengen, ao atravessarmos a fronteira entre a França e a Itália, idos do Mónaco e de Menton, a polícia mandou-nos parar. Simpáticos, os guardas ficaram muito admirados de verem portugueses por ali. Éramos uma espécie rara, naquela época, fora do espaço ibérico. Fizeram-nos algumas perguntas e evocaram o vinho do Porto, mostrando-nos que conheciam alguma coisa de Portugal (estranhei não evocarem o Benfica, que tinha sido bicampeão europeu). Como o carro ia na reserva ou quase, perguntámos se o posto de combustível ficava longe. A resposta foi:

– Ventimiglia.

Trocámos olhares, um pouco desolados.

– Vinte milhas são mais de trinta quilómetros – comentámos, em uníssono. – Vai ser apertado.

Metemo-nos à estrada, devagar, para poupar combustível. Ainda não tínhamos andado cinco quilómetros quando vimos um marco toponímico anunciando a próxima localidade: Ventimiglia. A nossa tradução à letra de italiano e o desconhecimento da região produziu asneira. Mas deu para andar todo o dia a rir à conta de ventimiglia.

31.07.23

Sempre gostei muito de comer, mas não de comer muito. Que fique a destrinça. Umas lascas de presunto cortada da perna do animal, com pão, ou com ovos. Uns bifes tenros, suculentos, com batatas fritas e ovo a cavalo. O presunto que se compra nos supermercados vem quase todo embalado, fatiado sem serem fatias, lascas prensadas e servidas como se fossem fatias, que quando se pega nelas se desfazem na mão. E, claro, a maioria das embalagens trazem aqueles produtos conservantes e colorantes, que a gente fica sempre na dúvida se estamos a comer presunto (etc.) com pequenas doses de veneno. A dúvida é permitida. Quanto aos bifes tenros e suculentos, vou ali e já venho. Entram na frigideira e começam a babar água, não fritam, não grelham - cozem. Escapa, por vezes, o bife do lombo, que é caro. O da vazia já foi bom, mas agora engana muito.

Temos o peixe. Grande parte tem origem na aquicultura. Sabe tudo ao mesmo. Mas quem é que nos manda ser triliões de habitantes no mundo? A pesca escasseia, não há forma de alimentar o mundo com peixe do mar. Até o fiel amigo, o bacalhau, é cada vez menos fiel. É apanhado, salgado, congelado, ou seco pelo frio, pouco já seca com sal e ao sol.

É claro que temos a culinária vegan. Já tenho provado alguma coisa e até gosto. Mas se pego numa embalagem de mortadela a fingir e leio os ingredientes, lá vêm os conservantes e colorantes. O tofu tem de ser mascarado com molhos para saber a alguma coisa. Não vou lá. Dificilmente me habituo a novos paladares.

Em resumo: tenho saudades da comida caseira da minha avó, qualquer que fosse a ementa por ela preparada.

24.06.23

Tínhamos a paixão pelo hóquei em patins, pelo futebol e pelo râguebi. Éramos jovens e vivíamos em bando harmónico, que se abria e fechava em grupos mais pequenos para depois voltarmos ao bando, sempre que se justificasse. A paixão pelos carros juntava-nos na serra de Sintra para assistir, sobretudo, ao espetáculo dos Minis a comer as curvas sobre o piso de paralelepípedos. Gostávamos também de passar a tarde de domingo a jogar bilhar ou matraquilhos, a beber imperiais ou cafés, enquanto falávamos de namoros ou das raparigas que nos enlevavam. Eram conversas de tom geral, porque do namoro de cada um ninguém abria a boca. Era pessoal e intransmissível. Durante a semana estudávamos ou trabalhávamos, ou jogávamos nos dois tabuleiros consoante a necessidade das famílias. E havia os bailes ao som de bandas cujo nome se perdeu. As raparigas eram meigas e adultas antes de tempo, usavam uma fita a segurar os cabelos, eyeliner a sublinhar os olhos, rímel e batom. Até que um dia suou um toque de clarim que mobilizou os rapazes para a guerra. O bando desfez-se e nunca mais se reuniu. Ao fim de treze anos a guerra acabou e nada mais voltou a ser como dantes.

14.12.22

Agora que a nossa seleção de futebol regressou a casa, dois comentários: Portugal deve muito ao selecionador Fernando Santos, o sinhor inginheiro, pois foi ele que nos levou várias vezes ao mais alto nível do futebol mundial, e a ele devemos também o facto de sermos Campeões da Europa de Futebol. Fernando Santos nunca foi selecionador de arriscar muito. Mas foi atingindo lugares cimeiros no ranking do futebol mundial. Parece-me, no entanto, que chegou a hora de arriscarmos mais. Talvez seja a hora de chamar o special one, José Mourinho. Ele arrisca, ganhou e ganha muitos títulos, e também perde, claro. Mas é preciso jogar para ganhar, assumindo o risco de perder. Jogar para o empate e depois logo se vê, não.

O outro comentário é para Cristiano Ronaldo, o CR7. É um dos maiores jogadores de futebol do mundo, talvez o maior (embora eu prefira Messi) tendo feito com que o nome de Portugal corresse mundo, na última década e meia, coisa que mais ninguém conseguiu fazer de forma tão entusiasmante. Seremos cruéis se esquecermos esse facto. Agora não está a reagir bem à sua andropausa futebolística, mas certamente ultrapassará esses momentos difíceis.

Parabéns a Fernando Santos e a Cristiano Ronaldo (e a todos os outros jogadores da seleção, claro). Chegou a hora de pensarmos no futuro com mais garra e menos achaques pessoais, que desestabilizam o grupo.

03.12.22

Uma das coisas que me confrange mais na sociedade atual é a existência de pessoas a viver em isolamento completo. Uma pessoa a residir só numa aldeia, num lugarejo qualquer, sem outro ser humano com quem trocar uma palavra, nem que seja a saudação diária, é muito confrangedor. Sobretudo, porque são pessoas entradas nos anos, que não escolheram aquele modo de vida. Aconteceu-lhes por via de uma sociedade que fugiu para os grandes centros habitacionais à procura de emprego, de uma vida melhor. Podem dizer-me que há pessoas que vivem em lares, mas que se sentem a viver em solidão mesmo que rodeadas por outras pessoas. Não é a mesma coisa. Não me perguntem como isto se resolve. Mas sei que há pessoas cuja profissão entronca na resolução de problemas idênticos; e sei que o Estado, por intermédio das suas estruturas sociais devia intervir nestas situações. Parece-me que a GNR faz qualquer coisa nesse sentido, o que é de louvar. Mas não chega. E não se trata, a meu ver, de retirar as pessoas, do lugar onde se encontram, onde nasceram e querem morrer, mas de acompanhá-los diariamente por esse interior desertificado. Talvez fosse possível uma ação conjunta, diária, entre as autarquias e a segurança social, nas zonas onde esses problemas são mais agudos. Claro, é preciso dinheiro e boa vontade.

01.12.22

Restaurámos o país dos Espanhóis, em 1640. Mas ainda não conseguimos restaurar o país de nós próprios. A inveja, como o grande emblema social; a Escola e a Saúde que nunca mais entram nos eixos; os políticos que não conseguem uma plataforma mínima para tornar este país governável atendendo aos interesses dos cidadãos, sem que se ande sempre a remendar decisões; a Justiça que tem um tempo tão lento, tão lento, que nem parece a Justiça do nosso tempo; o novo aeroporto que anda há décadas a ser discutido entre gregos e troianos; a Cultura que é o brinquedo de meia dúzia de obstinados; os egos sempre muito inchados em razão de nada ou de muito pouco; as capelinhas, os influencers (que raio de palavra num país com séculos de uma língua própria)... Enfim, ou restauramos o país de nós próprios, ou haverá sempre razão para nos queixarmos perante a indiferença dos poderes públicos. Ah, e restaurem Sua Excelência, porque me sinto envergonhado com o que está em funções.

21.11.22

Facebook, Futebol e Fátima é o novo triunvirato mobilizador dos portugueses. O Fado perdeu o apetite, emagreceu, agora aparece mais travestido de fado-canção ou canção com viola e guitarra a acompanhar. A juventude já não é fadista, embora continue a haver jovens que gostam de fado, sobretudo os filhos da pequena-nobreza-aburguesada. Na verdade, em mais de cinquenta anos de democracia, mantivemos os três FFF que nos definiam como povo, substituindo apenas a palavra de um deles: fado por facebook. Estou convicto de que o Facebook tem alguma coisa de fado, pois é aí que muita gente vai exprimir as suas mágoas, mostrar a sua dignidade ferida, as suas esperanças e os seus sonhos, e falar dos seus amores... desgraçados. O Facebook tem ainda a vantagem de funcionar como comunidade de vizinhos (já que na rua e na escada do prédio poucos trocam saudações), onde se encontram aqueles que sob o rótulo de amigos charlam a toda a hora e se deixam encantar com a exposição permanente de fotografias, imagens e memes. Eu também estou inscrito nessa comunidade de vizinhos, povoada por grande número de recoletores do trabalho alheio, através da palavra mágica Partilha.

29.09.22

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O escritor António Mega Ferreira ganhou o Grande Prémio de Literatura de Viagens Maria Ondina Braga, patrocinado pela APE, com o seu livro Crónicas Italianas, publicado em 2021 com a chancela da Sextante Editora, onde publicou também as obras a seguir referidas. Viajante cultural, profundo conhecedor da vida e da história da cultura italiana, este livro junta-se a outras obras (Roma, exercícios de reconhecimento, 2010; e Itália, Práticas de Viagem, 2017) em que o autor explora a relação da arte e da arquitetura italiana, ao longo dos séculos, com os seus artistas e com as cidades italianas, seja Roma Florença, Bolonha, etc. Uma leitura a não perder.

16.12.21

A presença obsidiante do pessoal ligado à Medicina (ao negócio da) nas nossas vidas (médicos, enfermeiros, epidemiologistas, hospitais privados, SNS, funcionários, especialistas de tutti quanti na área da Saúde, através da CS), além das notícias sobre o Covid-19, doenças, forma de as combater, seus perigos, conselhos e conselheiros, a que se juntam nas TV os vendedores de pílulas, e seguradoras a brandir a vantagem de seguros de saúde, está a transformar este tempo de pandemia numa paranóia coletiva. Como qualquer empresa comercial, os hospitais privados enchem ainda de publicidade os nossos telemóveis, se temos as respetivas aplicações instaladas, oferecendo-nos tudo o que lhes interessa e faz parte do seu negócio. Dando a volta completa, esta paranóia também pode ser útil ao negócio em causa. Haverá alguém que nos liberte deste assédio obsidiante diário, repondo a Saúde num patamar de relação normal, saudável?

11.12.21

Sabe-se hoje que a possibilidade de fazer comentários estultos e escrever futilidades é uma realidade filha das redes sociais e de um jornalismo sem referências. Não só, mas sobretudo. Os DDT em todo o mundo sabem bem que para continuarem a obter lucros insultuosos numa sociedade democrática, em que as pessoas têm acesso geral ao Ensino e à Cultura, precisam de transformar esse Ensino e essa Cultura em algo básico e alegórico. A classe média atual, cuja vida assenta numa socidade dominada por minorias aguerridas e pela civilização do espetáculo e do politicamente correto, sente-se com direito a tudo, mas o tudo a que acede tem pouca qualidade. É apenas fogo-fátuo. Entre os muitos exemplos desse tipo de sociedade que vive em liberdade uma vida de insignificâncias com apelos de primeira página, estão coisas como esta: "Estudo conclui que quem usa mais emojis faz mais sexo". Qual a utilidade e o interesse do estudo? Leva-nos a quê? Isto é apenas um exemplo de como os DDT, através dos seus peões, nivelam por baixo a sociedade em que vivemos.

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