In illo tempore. Naquele tempo a vida não era simpática para os pobres. Sobretudo, se viviam numa qualquer aldeia do interior do país, onde a luz não chegava e água só a do poço ou de uma fonte pública. Aldina casou com dezasseis anos e teve um filho aos dezassete. Lavava roupa para fora, para as senhoras da cidade. O marido, um rapaz de vinte anos, sem aptidão para lavouras preferiu ir para a capital tentar a sorte numa oficina de serralheiro, que ia mais a seu jeito. Pouco habituado ao trânsito caótico de uma cidade em crescimento, quase sem regras de trânsito, ao fim de seis meses de cidade morreu atropelado ao atravessar a rua, colhido por um carro que ultrapassou um eléctrico. Aldina vestiu-se de luto e assim ficou toda a vida. Nunca mais casou. Preocupou-se apenas em criar o filho que, na idade em que a mãe se casou, também ele decidiu rumar à capital e dali para qualquer outro lado, que nunca revelou. Aldina ficou sozinha, definitivamente. Lavava roupa e rezava pelo filho e pelo marido. Morreu sozinha, aos quarenta anos, de uma septicémia, sem nunca ter visto mais que os vinte metros de quintal do casebre onde morava, o caminho para a capela da aldeia, e os trinta passos para casa de uma vizinha com a qual passava as tardes de domingo a tricotar malha e a viver a vida que a vizinha já vivera, quando fora criada de um conde, em Lisboa. Uma vida.
© António Garcia Barreto in "Pescar à Linha", contos.