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Agradeci e fui à procura da barbearia. Quando a descobri não pude evitar um sorriso. A porta do Salão Paraíso era tão estreita que o barbeiro só poderia atender clientela magra. Entrei de lado, arrastando a mochila. A aparência exterior e a decoração interior remetia-nos para o início do século XX. Desci dois degraus deparando com um mundo em vias de extinção. Acabei por lembrar-me de ali ter estado, uma vez, em criança, levado por Berto Benigno, para cortar o meu cabelo à inglesa curta, corte bastante aparado e com franja. Sentaram-me num banquinho em cima da cadeira de barbeiro e ofereceram-me um rebuçado para adoçar o medo. Um homem de imponente bigode de pontas retorcidas, com uma tesoura crocitante na mão, desafiou o meu medo. No final, reclamei do corte. Não tinha poupa, à frente, nem podia pentear o cabelo com brilhantina. Fui logo admoestado por Berto Benigno com um sopapo.
António Garcia Barreto in "É perigoso brincar com os beijos", Astrolábio Edições, 2021